Rita Lee e a “Marca da Zorra” … Diversão explícita no stage!!!

BeFunky_Rita Lee - 1995 - A Marca da Zorra.jpgUm belo dia pinta um telefonema em casa: “Farat, o que você ta fazendo agora, quer fazer a tour da Rita?…” rs. Bem eu, que tomei muita chuva na Av. Brigadeiro Luis Antônio pra comprar ingresso pro “Babilônia”, que tenho todos os LPs de vinil da Rita… Fechei no ato, sem saber o que ia rolar de agenda, banda, quanto tempo seria, etc. Olha, não me arrependo nem um pouco… A palavra “festa” tem dois significados: um antes e outro depois da Rita.

Esse show foi bárbaro, era rock and roll total, todas as músicas da minha delinqüência juvenil no set list, mulher pelada no palco (miss Brasil 2000), levitação, um helicóptero rádio controlado voando por cima da banda e muitas outras loucuras na batuta do “maestro da produção” Leonardo Neto. Sem contar que o primeiro passo dessa tour foi abrir os Rolling Stones na “Voodoo Lounge”, primeira visita da banda ao Brasil, viajamos o país todo com a Zorra (que está registrado no disco ao vivo no Canecão). A banda era formada por Paulo Zinner, Lee Marcucci, Ronaldo Paschoa, Fabinho Recco e Roberto de Carvalho. Mais pra frente na coluna tecnologia e operação vou falar sobre o operacional do show, que vale a pena.

Uma coisa marcou muito nessa tour; o profissionalismo do Roberto. Eu, um desses radicais órfãos do Tutti Frutti, conheci um dos caras mais profissionais do rock nacional. A concepção de arranjos do Roberto é impressionante e facilitaram muito o trabalho da técnica nessa tour (obrigado “de Carvalho”, aprendi muito contigo nessa empreitada… rs). E não parou por aí não, tenho registrado em foto os olhos do meu filhote (com seis anos na época) vendo um show da Rita e a minha cara de alegria em ter proporcionado isso a ele, conhecer o som de Rita Lee…Rs Hoje em dia eu já posso encher o peito pra falar que já fui engenheiro de monitor da Rita… Eu acho que o mesmo acontece com a galera da técnica envolvida na Zorra; O Silvinho, o Bellini, o Adriano Colono, o Oswaldo, o Labak, o Baldinato… Salve Sta. Rita de Sampa…

O monitor…

Com certeza “A Marca da Zorra” seria uma grande tour da Rita, pois além do show de abertura nos Stones deixarem a equipe muito animada ainda gravaríamos um cd ao vivo nas primeiras semanas da temporada, no Canecão, RJ. Enquanto o cenário estava sendo finalizado e o repertório escolhido, decidimos escolher um kit básico para o monitor na Gabisom, que faria toda a tour. O cenário ficou pronto: um castelo medieval com uma rampa de ponta a ponta atrás da banda, uma escadaria no centro e duas passarelas na frente.

Como seria a primeira vez que trabalharíamos juntos e eu não sabia como a Rita e a banda gostavam de mixar os monitores, praticamente começamos do “zero”. Escolhemos a Ramsa 840, gráficos Klark Teknik e monitores Clair Bros., um kit básico mas de muita responsa! Falei pro Roberto de Carvalho que faria uma sugestão para começar e com o andamento dos ensaios iríamos modificando a mix e a posição dos monitores de acordo com a necessidade (detalhe: a primeira montagem foi a que valeu pra toda a tour!).

A via da Rita era composta por oito monitores em linha reta na frente do palco, divididas em duas mixes: as quatro centrais em uma e as duas restantes em cada ponta em outra, pois com a proximidade do side elas trabalhavam bem mais baixas que as centrais. Duas caixas na mix do Roberto, duas nos teclados e uma para cada um nas vias da guitarra e do baixo. Na bateria utilizamos apenas uma Clair sobre o sub trabalhando bem próximo ao Paulo Zinner, nos dando muito rendimento com pouco volume. Uma última via com quatro caixas espalhadas pelas passarelas e escadaria resolveu todos os pontos do stage (era muito fácil correr atrás da galera nas mixes, pois absolutamente todos os pontos do palco estavam cobertos). Na mix do side bateria, baixo, teclados, vozes e as guitarras cruzadas, na mix da Rita basicamente voz, bateria e teclados (as guitarras e baixo ficavam só por conta dos amplificadores). Um detalhe legal desse monitor foi conseguirmos trabalhar com um grave infernal na bateria do Zinner apenas na área ocupada pela batera, no resto do palco a bateria era mixada muito seca e apenas o necessário para dar o bit pra banda (lembrem-se daquela bateria do Paulo que era igual a do Ian Paice, com bumbo de 26, etc…). A coisa mais trabalhosa mesmo desse show era o head set da Rita que ela utilizava quase o tempo todo, por isso optei por um equalizador no insert desse canal.

Os únicos momentos de stress absoluto no monitor desse show eram a decolagem e pouso do helicóptero rádio controlado que voava pelo palco e quando a Valéria “Miss Brasil 2000” entrava em cena, nos 90 segundos mais esperados do rock nacional naquele ano, principalmente pra quem estava nas primeiras filas…rs.

Inesquecível tour!!!… Até o próximo!!!

Marlon Jordan no Free Jazz, uma mix (muito) diferente…

O cenário é o Free Jazz 2001, palco New Directions/SP, show do Marlon Jordan. Quando iniciamos o sound check da banda, recebi um “topo” quando perguntei ao Antoine Midani que mixava a house, se talvez trabalharíamos com o piano acústico aberto, sendo que na noite anterior no Rio de Janeiro o mesmo trabalhou fechado…

Ok, piano aberto meia tampa, dois mics C414 dentro e só restava perguntar ao músico de Marlon se poderíamos fazer o show daquela maneira. Quando a banda chegou para a passagem de som, não só fomos autorizados a abrir o piano, mas também a abri-lo totalmente e contemplar o sorriso explicitamente agradecido do pianista (lembrem-se que qualquer alteração num stage nunca deve ser feita sem a devida autorização dos músicos ou do artista…posturinha básica!).

Com o piano aberto e checado havia mais um detalhe; o baixista não queria nem passar perto de um DI no baixo, queria apenas o microfone! O que fiz; abri o baixo acústico no side pra que algum sinal ficasse entre o instrumento e a volta do PA não criando aquele desconforto no palco, já que não teríamos nenhum amplificador no instrumento. Como o trio baixo/piano/bateria estava muito próximo e o vazamento dos pratos e da bateria no mic do baixo era muito grande, o que fazer?… Enfim, precisei trabalhar como nunca na equalização do microfone do baixo para que o vazamento soasse comodamente no stage. Acreditem de verdade, o do som dos pratos e da bateria no microfone do baixo acústico ficou espetacular nos sides e a mixagem dos monitores tomou outro rumo, com absolutamente todos os mics abertos no stage, e o principal, nada atrapalhando a mix do Antoine!!!

Enfim, detalhes resolvidos chegou a hora do trumpete do Marlon. Com o piano aberto total, microfone do baixo num volume considerável (com muito critério, mas consideravelmente alto) e bateria com apenas kick, snare e dois overs, era muito interessante o resultado, pois onde o cara tocasse o seu trumpete, de alguma maneira ele estava na mix (principalmente nos momentos que já estamos acostumados a ver, onde o músico toca fora do seu microfone, perto do piano pra dar uma descontraída…). Para ser sincero, nunca trabalhei tanto nos vazamentos como nesse show…

Mesmo levando-se em conta a altíssima qualidade dos monitores, consoles e microfones do equipamento utilizado no Free Jazz, se essa maneira de ambientar um quarteto fosse discutida num curso de áudio ou numa palestra, além parecer coisa de maluco (aliás, quem disse que engenheiro de monitor é um ser humano normal???), eu iria com certeza perder meu brevê e seria proibido de voar nos stages…hahahaha. Mas que foi um grande barato foi!!!…

Até o próximo…

Muita calma nessa hora… (ou: “Um dia de fúria…hahahaha).

Mais um dia de tour da sua banda predileta e lá vai você pro aeroporto cheio de vontade de fazer um belo som e se divertir um pouco… maravilha!!!… (nem sempre…). Quando chega no aeroporto descobre que não tem teto pra voar e que o seu aviãozinho vai sair com duas a três horas de atraso!!! Bom, o remédio é tomar um café (e os preços inacreditáveis dos cafés nos aeroportos???!!!…rs) e aguardar pacientemente o horário de embarque.

Quando finalmente o vôo decola, normalmente a cabeça já está trabalhando a mil pra montar o esquema da passagem de som, porque provavelmente vai rolar aquela “ficada direta” no local do show compensando o atraso da viagem… Sem falar nos nem sempre apetitosos lanches servidos durante o vôo, vamos direto ao assunto…

Tudo certo no local do evento, palco bonito, ainda existe tempo pra montar tudo, aquele Sol maravilhoso, todo mundo de bom humor na equipe… Aí começa o show de horror: Quando o gerador é ligado, parece que o caminhão está em cima do palco… socorro!!! Vamos lá, ver quantos metros de cabo os caras tem pra levar o gerador pra muito longe de onde ele está… Bom, depois de uns quarenta minutos de trampo pra levar o gerador pra longe (que teve que passar pelos bois, é claro), na primeira palavra no microfone depois de tudo montado você toma um susto de alguns volts na boca e descobre que tem 120 (ou muito mais) volts na estrutura do palco, porque o aterramento é deficiente ou simplesmente não existe (a famosa frase “o palco ta ‘enterrado’ sim”, é, além de clássica, verdadeira)!!!… hehehehe…

Ok, depois do atraso do vôo, do gerador e do primeiro choque, você fala (depois de uma breve reflexão sobre estar ali naquele momento): é hoje, muita calma nessa hora… E na verdade o problema do técnico de monitor não é nada, é só olhar pra house mix e ver o desespero do cara do PA porque o equipamento está no local mais surreal possível… A “novela” é sempre a mesma: a versão da mesa está desatualizada e não leu a cena, oito caras em volta de um maluco com um laptop em uma mão e a malinha na outra, mandando um discurso incrível pra convencer a galera a mudar a mesa de lugar, pelo menos para onde ele consiga ouvir sua mixagem e garantir o sucesso técnico do evento…rs.

Em todos esses anos de estrada, a infra-estrutura dos eventos está cada vez melhor, mas sempre esteja preparado para em algum momento da tour ter “um dia de cão” (ou “um dia de fúria”, como queira) e passar por isso se divertindo. É incrível, mas sempre dá certo no final… A fórmula “conheça muito a banda + coloque tudo que aprendeu na vida + tenha uma equipe unida + seja o cara mais calmo do mundo = um show como todos os outros” é importantíssima num momento desse tipo (não me lembro de muitos shows cancelados, por mais problemas que tivéssemos que enfrentar no dia)… É claro, terremotos, dilúvios e desabamentos não contam…

Pra completar nosso papo, eu ainda sonho com o fim de um dos últimos pesadelos da estrada: “O Mundo Horroroso e Irresponsável da Desmontagem…” Todo mundo cansado querendo ir pra casa, os carregadores ainda ser receber, chovendo, show no mesmo palco no dia seguinte com montagem as oito da manhã, cases passando por cima dos nossos cabos de antena, lanterna na boca porque não rola luz de serviço, microfones perdidos, in-ears embaraçados, etc… É na desmontagem que equipamentos pifam, perdem-se componentes, ponteiras, pedestais, etc… Mas confesso que a coisa aos poucos vai melhorando!!!

Converso sempre com os caras de monitor pela estrada e o roteiro é o mesmo, por mais que pareça, e de certa forma, seja errado: nos dias em que não se passa som, cheio de problemas, chovendo e etc, o show sempre é bom!!!… Quantas e quantas vezes rola aquela passada linda e quando chega a hora do show muda tudo, as pessoas enlouquecem (e te levam junto…rs), fica todo mundo olhando pra você e perguntando porque a mixagem está toda alterada…!!!. Eu particularmente adoro o esquema de trabalho que temos hoje no RPM: os roadies dão conta do recado muito bem no palco e quando os caras da banda chegam na hora do show, botam os in-ears na orelha, um sorriso na cara e mandam bala…

Na verdade, muitas bandas trabalham assim hoje em dia, e depois dos in-ears (e de uma certa maneira um bom padrão e unidade das empresas de áudio) essa maneira de trabalhar ficou muito mais tranqüila, pois o resultado é sempre parecido na mix final de monitor, e com a banda descansada um mês de oito shows pode na boa, virar um mês de dezesseis!!!…rs.

E pra encerrar esse longo post, aí vai o ABC do stage:

A – “Aqui no monitor tem…!” (o cara do monitor pro PA…)
B – “Bem que eu avisei…!” (em qualquer situação de pânico…)
C – “Camarim da técnica???” (da coitada que monta os camarins…)
D – “Deixa que eu arrumo…” (um cara que vc nunca viu no stage…)
E – “Eu juro que o aterramento ta certo…” (hahahahaha…)
F – “Fui eu???” (geralmente do cara que fez a besteira…)
G – “Gerador, que gerador???” (o produtor local no dia do show…)
H – “Hahahaha… (quando vc pergunta sobre voltagem estabilizada)
I – “In ears , side line array e center fill pra dentro do palco…
J – “Já fiz tudo o que podia, só não troquei as pilhas…” (o roadie…)
L – “Liga o DJ no Side enquanto vc faz o line check”… (socorro!!!)
M – “Meu in-ear ta falhando…” (do seu artista entrando no palco…)
N – “No PA ta tudo certo…” (o cara do PA pro Monitor…)
O – “O sub ta uma coisa horrível…” (do roadie de bateria…)
P – “Prepare-se porque o ginásio é enorme!!! (vc pro teu artista…)
Q – “Quando lotar melhora a reverberação do ginásio…” (hahahaha…)
R – “Relaxa, é só uma chuvinha…” (o assistente do contratante…)
S – “Sumiu o baixo… (do cara do PA…)
T – “Tem um canal sobrando aí?” (sempre na hora do show entrar…)
U – “Ué???” (de qualquer um pra qualquer um no palco…)
V – “Virgem Maria, a roda gigante ta piscando!” (passando o bumbo…)
X – “Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii…” (de qualquer um pra qualquer um também…)
Z – “Zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz…” (o cara da empresa de som…)

Que venha 2012 galera… Um ótimo ano pra todo mundo!!!

Até o próximo… Abraços!!!

Paulo Farat